sexta-feira, 4 de abril de 2014

Vale a pena!

Como consta no meu perfil, sou pedagoga. Pois hoje de manhã, como todas as sextas-feiras, eu estava dando aulas de reforço para um TDAH de 8 anos de idade. Como era de se esperar, ele  é muito inteligente e gentil, porém hiperativo e com uma mega dificuldade em manter o foco em assuntos "normais".

Ele ama leitura, carros e dinossauros, estes de uma forma especial. Sua letra é linda, sua memória é boa (o que confunde sua professora regente, que está relutante em aceitar que ele é portador de TDAH e portando precisa de cuidados especiais), mas mesmo assim ele vive repetindo que é burro, que já sabe que vai fazer tudo errado, que ele não consegue, etc.

Estou há um pouco mais de um mês acompanhando este caso e agora acredito já ter informações suficientes para começar a testar novas abordagens com ele. A primeira mudança foi minha roupa: hoje fui para a casa dele sem esmalte, sem roupa estampada, com brincos pequenos e vestindo uma camiseta pink. Nada de detalhes que possam concorrer comigo pela atenção do garoto, apenas uma cor forte que me destaque no ambiente.

Comecei a aula de hoje dando uns minutos para ele me contar as novidades, mas em seguida expliquei que durante a aula precisamos deixar outros assuntos e outros pensamentos "esperando ali do lado" até acabarmos o que temos que fazer, e que ele é muito inteligente mas se distrai quando pensa ou fala de outras coisas que não seja o assunto que estamos estudando. Ele disse "Não, eu sou é um burro mesmo!"

Semana passada eu fiz com ele um ditado com palavras com "m" e "n", todas tiradas dos cadernos dele. Ele já as conhecia, e afirmava isso a cada nova palavra ditada. Mesmo assim, das 15 palavras, ele errou 12. A maioria dos erros foi por pura distração, claro. Por exemplo, ele escreveu "Limpiza" em vez de "Limpeza", quando o que era de se esperar é que trocasse o "z" por "s", ou o "m" por "n", mas não... errou justamente na vogal, coisa que não costuma gerar nenhuma dúvida quanto a escrita!

Hoje eu fiz outro ditado de palavras com "m" e "n", só que desta vez tirando as palavras do livro de dinossauros que lemos juntos ao final de cada aula, como recompensa por seu esforço e bom comportamento. Para meu espanto, ele desta vez errou apenas 3 palavras, e acertou até mesmo palavras mais longas e complicadas, como "paleontólogos" e "cientistas".

Em seguida fiz com ele uma atividade da revista Recreio que exige uma grande dose de concentração: procurar 15 minúsculos objetos em uma cena super detalhada e colorida. Durante a execução desta atividade ele ficou tão feliz e eu fórico que chegou a ajoelhar-se na cadeira para colocar o rosto mais perto da revista. Mais uma vez o desempenho dele foi surpreendente. Ele encontrou 12 figuras e eu, apesar de todo meu esforço, apenas 3.

Depois disso, chegou a hora de estudarmos juntos o conteúdo para a prova de Ciências que ele teve esta tarde. Semana passada eu já havia revisado o conteúdo com ele, mas ele logo ficou aborrecido e com sono. Então hoje eu brinquei de "tabuleiro gigante" no chão da cozinha da casa dele, usando os ladrilhos como casas. Eu o posicionei a dez passos de distância de mim, com instruções de ficar paradinho porque naquele momento ele era um peão de jogo. Com o caderno dele em mãos, fiz 10 perguntas baseadas nos apontamentos. O assunto era Estados Físicos e propriedades da Água. Quando ele acertava, dava um passo para a frente. Quando errava, eu o ajudava a lembrar o assunto com gestos, como por exemplo: apontar para o nariz ao mesmo tempo que diz a palavra "inodoro", para a boca na palavra "insípido" e para os olhos na palavra "incolor". Ele repetiu três vezes as palavras e os gestos e logo sabia dize-las sem ajuda, mesmo que eu mudasse e seqüência.

Em menos de meia hora ele já estava com o conteúdo na ponta da língua!

Para finalizar, fomos desenhar o dinossauro sobre o qual lemos hoje, o Pterodáctilo. Semana passada ensinei para ele alguns truques de desenho, para que ele consiga copiar sozinho as gravuras que o interessem. Hoje ele demonstrou que aprendeu muito bem, pois começou o desenho sem minha ajuda, exatamente como mostrei. Como o pterodáctilo voava, ele nos remeteu ao assunto de dinossauros com penas e que não voavam, como o microssauro. Ele foleou o livro e me mostrou a gravura deste réptil pequeno e emplumado, e eu percebi que ele está lendo o livro adiante mesmo quando eu não estou junto. Para coroar meu dia, ele começou um novo desenho, copiando o tal dino, perfeitamente! Fiquei tão surpresa que fotografei o processo, porque o desenho ficou tão bom que muitos poderiam pensar que ele o fez com minha ajuda, o que não é verdade!

Ele reparou e copiou todos os detalhes, as garras, as penas, tudo! Ainda acrescentou uma paisagem, assinou e me deu de presente!

Voltei para casa muito feliz hoje, tendo cada vez mais certeza de que vale a pena investir nosso tempo, nosso amor e nossa paciência nestas crianças que o ensino regular acaba deixando de lado. Elas são surpreendentes e com elas nenhum esforço é vão!

Ah, outro detalhe... até na aula passada, ele se chamava de burro frequentemente... hoje, apenas uma. Depois que ele mesmo viu que era capaz, eu estava diante de um menino mais feliz e confiante!









2 comentários:

  1. Olá Kátia,
    Tem um post bastante interessante sobre o papel do professor no TDAH: http://www.tudosobretdah.com.br/o-papel-do-professor-no-tratamento-do-tdah/
    Espero que você goste!

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  2. Aqui tem uma boa reflexão sobre o TDAH e a Lei de Inclusão: http://www.tudosobretdah.com.br/tdah-e-a-lei-de-inclusao/

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