quarta-feira, 13 de junho de 2012

Antes do diagnóstico de TDAH...


Conversando com uma pessoa que está começando agora a medicar-se com Ritalina, comecei a lembrar de como era a Kátia antes de seu tratamento...

Desde pequena, muitos anos antes de saber que existe o Transtorno do Déficit de Atenção, ou de imaginar que eu fosse portadora de algum distúrbio desta natureza, eu era simplesmente uma criança “diferente”. Eu era muito criativa, sonhadora e amava passar horas pensando, inventando histórias, desenhando, brincando e lendo. Lembro que quando eu ficava magoada meu consolo era fechar os olhos (se necessário, também os ouvidos), e “fugir” para meu mundo perfeito, rodeada de personagens – todos planejados detalhadamente por mim mesma. 

Aprendi a ler com 6 anos, e aos 8 já tinha bastante fluência. Foi nesta idade que li minha primeira enciclopédia, todos os 10 volumes, pulando apenas as partes de fórmulas químicas e físicas. Alias cálculo nunca foi meu forte, e mais tarde eu soube que uma de minhas comorbidades é a discalculia. Por outro lado, eu me apaixonei por História, Arqueologia, Antropologia, Arte, Biologia, Palenteologia e Mitologia. Também me embevecia com as Biografias, principalmente dos cientistas. Ficava fascinada com o fato de que as maiorias das grandes descobertas científicas surgiram de simples fatos do cotidiano. 

Lembro-me de ter ganhado um porta-joias lindo, todo de madeira, pintado com flores. Eu guardei nele um filme queimado (aqueles de fotografia), pincéis, pinças, potinhos e outros cacarecos mais, que compunham meu “estojo científico”. Mas eu amava bonecas também, claro. Eu brincava de Barbie, e a minha trabalhava em um museu de arqueologia, feito com barras de sabão azul, pedras, conchas, estrelas marinhas, pedaços de corais, etc. Lembro também de ter ficado realizada o dia em que encontrei um esqueleto de rato inteiro, faltando só o crânio. Eu o guardei em um vidro de café, com todo cuidado. Quem não gostou nada foi minha mãe, que o jogou fora sem dó nem piedade, alegando que eu poderia adoecer. Chorei por muitos dias, magoada com a “insensibilidade” dela.
Um dia eu assisti a um documentário que mostrava arqueólogos mergulhando no litoral mexicano, para ver cavernas com pinturas rupestres. Aquilo me encantou, e passei dias sonhando com os arqueólogos do futuro vindo estudar minha casa. Resolvi facilitar o trabalho deles, e comecei a coletar plantas, colar em folhas sulfite e anotar todos os dados de cada uma: nome popular, nome científico, tipo, gênero, espécie, família, etc. Aí eu colocava esta folha em um plástico e vedava com fita “durex”. 

Minha infância foi bem feliz. Na adolescência é que comecei, de fato, a me sentir diferente dos outros. Quando alguém perguntava sobre ator, cantor ou filme preferido, eu me dava conta de que não sabia quase nada sobre estes assuntos. Eu gostava dos cantores que meus pais ouviam, e assisti aos filmes que passaram em casa ou que me levaram para assistir, mas nunca tinha parado para pensar em qual me agradava mais e o porquê. Como todo adolescente, eu queria me enturmar e ser aceita, mas tive dificuldades e comecei a ficar cada vez mais braba e irritadiça. Talvez você uma forma de dizer: “Vocês não me querem? Ok, eu não preciso de vocês.” Eu me condoia com os rejeitados, e os defendia, e por isso aqueles que ninguém queria por perto acabaram se tornando minha turma. Por um lado isso era legal, mas por outro, a maioria deles não se interessava pelos meus gostos também, então eu continuava me sentindo só. Me sentia inadequada, apenas “orbitando” ao redor da sociedade. Sentia que não havia lugar e função para mim nesta terra. Com o tempo, passei a querer morrer. 

Quando eu estava com 20 anos de idade, um primo foi diagnosticado como portador de TDAH. Meu tio conversou com minha mãe e disse que via muitos sintomas de TDAH em mim também. Assim, depois de passar por 3 psiquiatras, 2 neurologistas e vários exames, comecei a tomar Ritalina.
Nos primeiros dias me senti mais ansiosa e irritadiça do que antes, e tremia mais do que um bambu verde. Mas logo meu organismo se acostumou, e os benefícios começaram a aparecer. Um dos primeiros foi a mudança de letra (?!?), que era feia e insegura e tornou-se redonda, firme e simétrica. Comecei a ficar mais tempo focada nas atividades cotidianas, e os períodos de hiperfoco foram ficando menores. Minha mãe diz que sou uma versão feminina de “Jekill and Hyde”, tal foi a minha transformação. 

De repente, comecei a prestar atenção nas pessoas ao meu redor. Tudo nelas era fascinante: gesticulação, expressões, tons de voz, histórias, reações, tudo! Era como se eu estivesse finalmente descobrindo o mundo. Eu saí de dentro de mim mesma e comecei a observar a sociedade. Então as músicas se tornaram interessantes, a moda, a arquitetura, as invenções científicas... Enfim, tudo o que a mente humana produz se tornou objeto de grande interesse para mim. Em poucos meses descobri o que as outras pessoas descobrem em anos, e logo escolhi cantores favoritos, logo decidi que filme me agrada mais, que lugares quero conhecer. Comecei a entender as pessoas, e a conseguir compartilhar dos gostos delas. Então comecei a querer fazer tudo que nunca tinha feito: sair para dançar, namorar, sair com amigos. Antes tarde do que nunca, né? 

Até hoje sinto que quase ninguém me conhece e me compreende completamente, mas isso não dói mais, porque já não me sinto uma alienígena como antes. É como se meu cérebro pudesse trabalhar em modo “social” (focado em coisas mais “normais”) quando estou com outras pessoas, ou em modo “eu mesma” (focado nas coisas que dão prazer só a mim mesma) quando estou sozinha. Com a diferença de que agora, depois de 10 anos de medicação, consigo dosar o tempo gasto com meus hobbies e o tempo necessário para cuidar das atividades diárias inerentes à vida de adulto. E estou indo bem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário